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terça-feira, maio 16, 2006

Os Escribas e os Fariseus 

Tal como há 2000 anos, há actualmente duas classes que se destacam na nossa sociedade pela importância que acham que têm, resultado da importância que todos lhes damos, quiçá como naquele tempo desajustada.
São eles os jornalistas e os políticos.
Os escribas sabiam escrever e num tempo de analfabetos, tal como num reino de cegos, quem tinha um olho era rei.
Os fariseus eram acérrimos defensores da letra da lei, que se mantinham como um grupo à parte, não se misturando com os restantes. Eram pessoas muito exigentes com os outros, mas extremamente condescendentes consigo próprios e por isso considerados hipócritas.
Quer uns quer outros foram, e por várias vezes, citados por Jesus Cristo como exemplos a não seguir, por se servirem a si próprios mais do que serviam os outros.
E de facto a história repete-se.
Não queremos com isto dizer que nestes dois grupos – jornalistas e políticos – não haja, como em todas as categorias profissionais, pessoas de reconhecido mérito profissional e humano. Não, o que queremos dizer é que, pela sua visibilidade e capacidade de intervenção, temos tendência a considerá-los importantes, em vez de aquilo que efectivamente são – influentes.
Postas as coisas no seu sítio, para além de não devermos absorver tudo o que dizem ou fazem sem critério ou espírito crítico, temos o direito de lhes exigir responsabilidades.
Quer uns quer outros têm uma forma especial, mais directa e rápida, de se fazerem ouvir com facilidade, mas isso, ao invés de lhes dar maior importância, deve dar-lhes maior sentido de responsabilidade, já que uns falam e os outros mexem na vida das pessoas.
Por isso mesmo devemos também nós ser mais exigentes com eles.
Como funcionária pública há 34 anos, nunca vivi um tempo em que, como este, se tenham unido mais – uns e outros – para levarem a cabo um tão desenfreado ataque ao funcionalismo público, e com tanta eficácia diga-se de passagem.
É obvio que nem tudo está bem na Administração Pública, mas também é óbvio que não é justo nem honesto diabolizar os funcionários como se fossem eles os responsáveis por tudo o que de mal vai nos seus serviços e no país.
Senão vejamos:
- Há funcionários públicos a mais na Administração? E quem abriu os concursos e publicouno Diário da República a necessidade de preenchimento dos lugares?
- Os serviços estão desorganizados e há organismos que duplicam tarefas? E quem criou os organismos e decidiu o âmbito da sua actuação?
- Os funcionários públicos são todos "Muito Bons"? E quem criou o sistema de classificação de serviço?
- É um privilégio reformarem-se com 36 anos de serviço e de carreira contributiva? E quem é que há 36 anos (ainda antes da revolução de Abril) decidiu que tal estava correcto, e não punha em causa o equilíbrio futuro da Caixa Geral de Aposentações? E quem terá provocado o desequilíbrio da mesma?
Não terão sido os que, à sombra da política, fizeram leis que os favoreciam especialmente, permitindo que largas centenas de deputados e autarcas com pequenas carreiras contributivas se reformassem com montantes cerca de 6 vezes superiores à média da função pública?
- Foram porventura os funcionários públicos que alteraram leis, com isso facilitando a partidarização dos lugares de chefia?
- Foram os funcionários públicos que, em 30 anos de democracia, nomearam 17 governos que em média só estão no poder um ano e meio, impedindo a implementação segura e estável de medidas estruturantes que exigiriam muito mais tempo?
- Foram os funcionários públicos que disseram aos governos para substituírem as pessoas nos lugares de chefia, porque era mais importante a confiança ou a afinidade político-partidária que a competência?
- Foram os funcionários públicos que se esqueceram de pôr na lei cláusulas de responsabilização aos que notoriamente geriram mal os dinheiros públicos?
- Foram os funcionários públicos que aconselharam o encaminhamento dessas pessoas para lugares dourados ou os reformaram com toda a espécie de mordomias, quando não com rescisões acompanhadas de indemnizações faraónicas?
- Foram os funcionários públicos que sistematicamente não dotaram os serviços de auditorias independentes?
- Foram os funcionários públicos que influenciaram ou tomaram decisões políticas que deram muitos votos e verbas para as campanhas eleitorais dos partidos, em vez de se decidir sobre aquilo que verdadeiramente desenvolvia o país?
- Foram os funcionários públicos que destruíram a nossa agricultura, a nossa indústria e a nossa pesca?
- Foram os funcionários públicos que fomentaram ou contribuíram para a evasão fiscal e para a economia paralela?
Já vai longa a lista dos "pecados" dos "privilegiados" dos funcionários públicos.
Os escribas de hoje deveriam perguntar aos fariseus da actualidade que autoridade moral têm eles, quando foram eles, e não nós, que provocaram todo este caos. Agora, lavam as mãos como Pilatos, atirando as culpas aos que não passam de vítimas das asneiras que fizeram, quantas vezes em proveito próprio.
Ainda recentemente, e com roupagem de moralidade, fizeram uma lei para retirar privilégios aos autarcas, mas tiveram o cuidado de guardar a norma numa gaveta da Assembleia da República, a fim de que a mesma não fosse publicada a tempo de ser aplicada aos recém-eleitos.
Chegou a altura de, isso sim, gritarmos bem alto o nosso direito à indignação a toda uma classe política que, ancorada em pedestais de futuros bem acautelados, ditam sentenças erradas e depois se servem de nós como bodes expiatórios.
Mas o grande problema é que os "escribas" e os "fariseus" são, como outrora, classes à parte, detentoras da verdade absoluta e que não se misturam connosco.
Mas é pena, porque não somos jornalistas nem políticos mas também não somos parvos, e com a humildade que lhes falta a eles, talvez sejamos capazes de pensar nas coisas, discernir, ter opinião, fazer perguntas e já agora… escrever.
P.S. A estas duas classes juntou-se agora uma outra, a dos empresários, que já tendo licenciados nas caixas de pagamento, nos cobiçam para as suas cadeias de distribuição.
(Maria Inês G. Graça)

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